Depois de terminar O Retrato praticamente de joelhos de tanto que arrastei a leitura, chega a vez do Arquipélago em toda sua magnitude "calhamalesca" e tudo que eu pensei foi: Por favor, não seja chato!
Não foi chato! Tudo bem, nada supera O Continente, é o melhor livro da saga (não é a toa que teve filme e minissérie baseados nele). Contudo, O Arquipélago traz o desfecho da história, e isso faz com que sua relevância seja tão grande quanto o primeiro volume.
O Arquipélago fala mais sobre a família do Rodrigo Cambará, se no livro anterior era tudo sobre o personagem em si, no segundo, apesar dele ainda ter papel principal na trama, ela é conduzida por seu filho mais velho, Floriano.
É em Floriano que está a mudança da família, apesar de ser o mais velho e o mais parecido fisicamente com o pai, não puxou aos Cambará, era introvertido e quieto. Como dizia seu pai, tinha mais de Terra e Quadros.
Nesse livro ficamos conhecendo melhor os irmãos. Eduardo é o filho rebelde, que carrega a coragem e o gosto pela política e revoluções, aparece bastante na primeira metade do livro, mas depois dá uma sumida. Jango, que é mais parecido com Toríbio, fica com os cuidados com a terra, o Angico e o jeito de "gaúcho macho" muito presente nos homens da época. Bibi, apesar de levar o nome de uma das personagens mais queridas e fortes da saga, se torna uma patricinha fútil e nem sei dizer a quem puxou da família. Se Floriano se considera um Cambará desgarrado, totalmente diferente de seus antecessores, eu peço licença para discordar do nosso escritor. Pra mim, Bibi é muito mais a antítese dos Cambará e Terra do que qualquer outra pessoa da família.
Aliás, se pensarmos bem, O Floriano tem mais de Rodrigo do que ele imagina, ou quer provar que tem. Ele quer tanto ser diferente do pai que acaba cometendo os mesmos erros, provando que as vezes o sangue fala mais alto que a razão. É muito divertido ir descobrindo esses traços no personagem enquanto ele conversa com seu melhor amigo e "terapeuta" Tio Bicho.
Esse é outra figura pela qual me apaixonei, tão feio e tão brilhante! Está claro que Tio Bicho, Roque Bandeira, é um leitor de Freud e apreciador da psicanálise. Ele faz verdadeiras sessões de análise com Floriano. Fiquei me perguntando se Erico Verissimo fazia terapia...
Devo confessar que senti falta dos personagens antigos nesse último livro, queria saber mais sobre Luzia, queria que o punhal tivesse algum significado ou ligação com outras pessoas, queria que o final voltasse pro começo de verdade!
Porém, se não tínhamos os velhos personagens tivemos duas pessoas especiais que surgiram nessa parte da história: Silvia e Zeca. É muito irônico que o filho de Toríbio se torne religioso, por que os filhos de O Arquipélago querem ser tão diferentes de seus pais? Quanto à Silvia, acredito que mesmo não tendo o sangue Terra Cambará, ficou com a garra das mulheres da família, ela dará continuidade à Ana Terra, Bibiana e Maria Valéria. Senti que seu final foi meio parecido com o de Levin em Anna Karenina, não sei se Erico se inspirou nisso, provavelmente é só uma viagem minha.
E Toríbio, né? No fim foi muito mais digno que Rodrigo, e além de tudo, morreu como um Cambará, coisa que não aconteceu com o irmão, que foi o primeiro homem da família a morrer na cama! (Bem feito!) Toríbio tinha amor por viver, pelas experiências da vida, sem ser hipócrita ou enfadonhamente chato feito um certo deputado...
Outro personagem que amei foi o Babalo, pacífico e engraçado. Floriano puxou pelos Quadros na ojeriza à violência, e eu super me identifico, sou da paz também, jamais me encaixaria na família Cambará! Quem me dera ter a força de Ana Terra, mas acho que estou mais pra uma mistura de Tio Bicho com o grande Babalo.
"Diz a Dinda que o vento e o tempo têm uma briga antiga, que vem do princípio do mundo"
O Tempo e o Vento
Foi delicioso ler essa saga, uma verdadeira aventura! Não sei por que a galera lê tantas sagas gringas mas não se arriscam a encontrar os nossos heróis de Santa Fé... Na verdade, acho que sei sim, pois eu era uma dessas pessoas. A gente tem medo dos clássicos, e mais medo ainda dos clássicos nacionais, e muito mais pavor se são vários calhamaços!
Contudo, na vida a gente precisa se aventurar, se tem uma coisa que aprendi com os Terra Cambará foi isso. Começar (e terminar) essa leitura foi uma das melhores coisas que aconteceu na minha vida. Tenho que agradecer demais ao Christian Assunção, como sempre. Todos os clássicos que eu li foram com ele, seus projetos de leitura conjunta já me levaram da Paris de Victor Hugo ao Sertão de Guimarães Rosa. Obrigada, Chris!!!
Quanto a leitura de O Tempo e o Vento devo dizer que valeu muito a pena, toda a luta para aturar Rodrigo, conhecer Ana Terra, Bibiana, Maria Valéria, Capitão Rodrigo, Floriano... É tanto personagem bom que fica muito difícil não listar todos como a alma da obra. Mas é isso mesmo: são todas essas figuras que fazem a riqueza desse clássico. Parece que a história é o de menos, o mais importante são as pessoas. Nomes que você nunca mais vai esquecer, e sentimentos que só eles despertam no leitor.
Os livros de Erico Verissimo não falam somente dessa gente, eles falam de todos nós, que nascemos nesse país. O Tempo e o Vento conta melhor do que qualquer livro de história quem nós somos, de onde viemos, como nos comportávamos e continuamos nos comportando. É lindo e ao mesmo tempo triste de ler. Não se trata somente da história do Brasil, mas da história de brasileiros.
16 Comentarios
Olá, Flávia! Vim dar-te parabéns, amei seu texto! Quen sensibilidade, que olhar preciso pra essa obra magnífica da nossa literatura! Participei contigo da leitura do Chris, ele merece todos os nossos agradecimentos por nos pegar carinhosamente pela mão e nos conduzir por essa saga gigante (em mais de um sentido), com tanta generosidade como lhe é característica. Foi um deleite, e compartilho contigo desse sentimento de que ficamos tão próximos, íntimos mesmo, das personagens, que as levaremos para a vida no nosso interior, no nosso ser.
ResponderExcluirO seu texto expressa precisamente a natureza de cada um deles, e já me fez sentir saudades. É tão incrível o que um livro pode fazer com a gente.....são tão incrivelmente profundas as marcas que eles nos deixam, que certamente nossa personalidade e nossa construção (sim, porque não importa a idade, estamos sempre em construção, não é?!) como pessoa vai tomando algumas formas absorvidas dessas experiências sem igual.
Parabéns pelo teu trabalho, texto sensível e apaixonante!
Que o tempo te reserve cada vez mais leituras magistrais como esta, e que o vento te sopre como suave brisa a embalar esses momentos!
Karen Schröder
Nossa, Karen!!! Muito obrigada pelo comentário! Tô até emocionada!!! Também amei a leitura conjunta e vou sentir falta desses personagens maravilhosos! Até do Rodrigo! hehehe
ResponderExcluirDo Érico só li Um certo capitão Rodrigo para o vestibular, lembro que gostei muito da história. Adorei sua resenha, fiquei com vontade de ler esse!
ResponderExcluirDepois de ler a sua resenha do livro, fiquei com vontade de ler, é um livro incrível, Érico Veríssimo é maravilhoso, seus livros perfeitos, bjs.
ResponderExcluirOi
ResponderExcluirO livro é maravilhoso e também traz curiosidades sobre o autor e sua obra,
:) como por exemplo um dos personagens que foi inspirado no próprio pai de Erico.
Adorei sua análise de toda a saga, li os outros dois textos também, realmente saímos dessa leitura com uma sensação boa de que história maravilhosa e que nossa história é maravilhosa. Amei os puxões de orelha nós personagens 😁
ResponderExcluirPuxo mesmo! hehehe
ExcluirObrigada pelo comentário! Bjks
Parabéns pela a resenha , sua escrita nós imerge na literatura .
ResponderExcluirMuito legal a tua resenha. A saga dos cambarás está na minha lista de compras há muito tempo, mas sempre acabo postergando. Creio que você me deu o incentivo final para colocar esta leitura em prática.
ResponderExcluirQue legal! Fico feliz!!!
ExcluirResenha verdadeira!!❤❤❤
ResponderExcluirEngraçado que as vezes a gente meio que ignora nossa literatura por puro preconceito, fiquei com vontade de ler esse livro, e confesso que nunca tive nem curiosidade antes ...
ResponderExcluirOlá, tudo bem.
ResponderExcluireu ainda não tinha tido a oportunidade de ler este livro de conhecer o autor depois da sua resenha abriu a minha vontade de ficar a conhecer esta historia. Vamos levar esta historia ao mundo.
Boas leituras
beijos
Olá. tudo bem? Eu já tive muito medo de calhamaços, mas admito que hoje dia encaro sem medo. Talvez tenha um pouco de clássicos, mas isso é para outro momento hehehe eu já conheço a escrita do autor pois li um livro tem bastante tempo, mas nunca mais procurei acerca. Sua resenha me deixou curiosa com essa série. Dica mais que anotada!
ResponderExcluirBeijos
Parabens pela resenha, amo a forma que você escreve.
ResponderExcluiradorei
ResponderExcluirresenha super completa
já coloquei na minha lista