Estou aqui, sentada no meu sofá cinza-chumbo, que há muito tempo deixou de ser confortável e só é habitável porque se tornou parte do meu hábito de sentar e abrir o computador no meu colo para escrever.
Balanço as pernas no ar, forçando o salto preto a dançar nas solas dos pés, que aos poucos vão adormecendo porque o sofá não colabora em nada com a circulação do sangue no meu corpo.
Um ventilador antigo e cheio de poeira sopra esse ar quente que me sufoca. Olho para a única planta que ainda vive nessa sala e me pergunto quando ela também vai desistir de mim.
Estou usando o short largo do meu velho pijama e a regata preta que roubei da minha irmã. Só coloquei o salto porque era o calçado que estava na beira da cama quando acordei, sentindo o cheiro do sol que me olhava sorrateiramente, como quem sabe que em poucos minutos vai transformar toda a humanidade em mais um ingrediente dessa grande massa de bolo que é o planeta, apenas terra e água.
Tento escrever na esperança de esvaziar minha cabeça da dor que atormenta as minhas têmporas, cujo culpado é supostamente a taça vazia que repousa em cima do tapete. Ah, não, acabei de encontrar a garrafa deitada perto da planta que, inacreditavelmente, continua ali, aparentemente respirando e certamente em melhor saúde do que eu. A culpa é toda dela. Não da planta, da garrafa.
Agora me lembro por que o salto estava ao lado da cama, mas me pergunto por que o vestido não estava também…