A casa dos espíritos é um clássico do realismo mágico e da literatura latino-americana. A obra traz à vida uma família cujos laços privados de amor e ódio são mais complexos e duradouros do que as lealdades políticas que os colocam uns contra os outros.  É tanto uma emblemática saga familiar quanto um relato acerca de um período turbulento na história de um país latino-americano indefinido.

"Aquele foi o primeiro de muitos atos de violência que marcaram o destino da família"

Minha experiência de leitura

Eu não tinha nenhuma intenção de ler esse livro. Sendo bem sincera, em toda minha ignorância, eu achava que se tratava de um livro espírita tipo Zíbia Gasparetto e essas coisas. Leituras que, apesar de não ter nada contra, não são muito o meu gosto. 

Contudo, mais uma vez, um grupo de leitura conjunta do tiktok me despertou para a maravilha dessa leitura e eu serei eternamente grata a todos eles. 

"a curiosidade era mais forte do que o instinto de sobrevivência"

Logo de início, o livro me remeteu a Cem Anos de Solidão, tanto pelo realismo mágico quanto pela maneira de antecipar acontecimentos que se desdobrariam mais tarde na história, como o mutismo de Clara e a chegada de Barrabás. Além disso, assim como na obra de Gabriel García Márquez, acompanhamos a história de várias gerações de uma mesma família.

No começo da narrativa, somos apresentados às famílias de Esteban e Clara, e ao longo do livro, seguimos as trajetórias de vida dos dois e de seus descendentes por vários anos. A obra explora romances, convenções sociais e, de forma marcante, o machismo, retratando fielmente os costumes e ideais da época, desde a Segunda Guerra Mundial até o avanço do comunismo e do autoritarismo na América Latina.

"Mas por que dar a um homem o que custa tanto ganhar? Nesse sentido, as mulheres são muito estúpidas. São filhas da necessidade. Precisam de um homem para se sentir seguras e não se dão conta de que a única coisa que há a temer são os próprios homens"

Um aspecto interessante é o uso de dois narradores. Um deles é Esteban Trueba, o patriarca da família, enquanto o outro é revelado apenas mais tarde. Nenhum dos dois é inteiramente confiável, mas acabei por simpatizar e acreditar mais em um do que no outro. Assim como os personagens, todos têm seus defeitos e qualidades, mas são incrivelmente bem construídos. Não consegui gostar de nenhum em especial, mas todos me pareceram fascinantes e complexos.

"- Isso serve para nos tranquilizar a consciência, filha - explicava a Blanca. - Mas não ajuda os pobres. Eles não precisam de caridade, mas sim de justiça."

Inicialmente, pensei que se tratava de uma história de espíritos, mas na verdade, o enredo gira em torno da luta de classes. O mais impressionante é como os acontecimentos de uma narrativa situada em um tempo passado e em um lugar fictício têm tanta correlação com o que vivemos hoje, especialmente no que diz respeito à política.

O último capítulo parece um caminhão passando por cima da gente, é intenso, é forte, é terrível, mas também é muito bom. Fiquei até meio atônita, sem saber o que pensar. Acho que ainda não elaborei por completo.

Personagens como Esteban Trueba continuam presentes todos os dias nas telas da TV e nas notícias da internet, o que nos faz perceber que, como costumam dizer, as coisas não mudaram tanto assim, e os vencedores parecem ser sempre os mesmos.

Uma passagem que gostei muito e as anotações que fiz durante a leitura